Gordura trans mata mais de 500 mil pessoas por ano; como evitar ser mais uma vítima

23.05.19


Gazeta do Povo

Com 500 mil mortes atribuídas a ela, a gordura trans ganha os holofotes das autoridades em saúde do mundo todo com a campanha lançada pela Organização Mundial da Saúde (OMS) neste mês: a iniciativa quer que os países adotem medidas para, até 2023, retirar de vez essas substâncias da composição dos produtos industrializados, já que há uma infinidade de artigos científicos apontando a relação entre o consumo de gordura trans (que é a modificação de um óleo vegetal líquido para se tornar mais sólido e estável à temperatura ambiente) e o aumento de doenças cardiovasculares, obesidade e outros males.

Numa realidade em que boa parte da comida vem embalada e está disponível a qualquer tempo nas prateleiras dos supermercados, a indústria alimentícia encontrou nesse tipo de gordura uma maneira eficiente de prolongar a vida dos alimentos, melhorar a consistência e acentuar o sabor, ainda que à custa da redução da longevidade de quem consome.

Bolachas, sorvete, salgadinhos, pipoca de micro-ondas e chocolate são alguns dos principais alimentos em que a gordura trans é encontrada.  Ela também aparece “escondida” com outros nomes, como:  gordura vegetal parcialmente hidrogenada, gordura parcialmente hidrogenada, gordura vegetal hidrogenada, gordura parcialmente interesterificada, óleo vegetal parcialmente hidrogenado, óleo vegetal hidrogenado e óleo hidrogenado.

Sem quantidade segura
O problema é que não se tem uma medida segura para ingestão, e isso não é de agora. Países como a Dinamarca, já há alguns anos, não permitem o uso desse ingrediente nos produtos comercializados.

Em 2015, a Administração de Alimentos e Medicamentos (FDA, sigla em inglês) dos Estados Unidos determinou que a gordura trans fosse banida, até 2018, de todos os produtos vendidos no mercado americano. Isso porque a própria FDA já tinha elementos suficientes para desconfiar de seus malefícios. Com base em artigos científicos, o órgão apontou que comer gordura trans aumenta o nível de colesterol LDL – o “ruim” – no sangue, e essa condição eleva o risco de desenvolver doença cardíaca, a principal causa de morte nos EUA.

Brasil na retaguarda
O Brasil está atrasado no combate ao consumo dessa substância. De acordo com a Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa), não há limites estabelecidos para o uso de gordura trans em alimentos industrializados comercializados no Brasil. Desde 2003, entretanto, a presença desse item deve ser informada na tabela nutricional dos alimentos. No início do ano, a agência aprovou iniciativa regulatória para discutir o aumento da restrição ao uso de gordura trans em alimentos industrializados vendidos no país.

Doutora em Ciência e Tecnologia de Alimentos, Marina Bergoli Scheeren, professora adjunta do curso de Ciência e Inovação em Alimentos da PUCRS, adianta que o Guia Alimentar para População Brasileira (GAPB), lançado em 2005, orienta que o consumo de gordura trans deve corresponder a, no máximo, 1% do valor energético diário — isso equivale a aproximadamente 2g por dia, ou cerca de quatro bolachas recheadas, em uma dieta de 2 mil calorias.

Entretanto, de acordo com a legislação brasileira (RDC nº 360) de 2003, fica excluída a declaração de gordura trans em porcentagem de valor diário (%VD) nos rótulos, uma vez que não é recomendada a ingestão de gordura trans, mesmo que em quantidades mínimas.

Por que ela faz tão mal?

Bolachas recheadas são um dos alimentos campeões em gordura trans. Foto: Daniel Derevecki/ Agência de Notícias Gazeta do Povo.

Entre seus efeitos mais prejudiciais, estão o aumento do colesterol LDL (que entope as artérias) e a diminuição do colesterol protetor HDL, além de danos e inflamação do revestimento das artérias. Isso tudo aumenta o risco de doenças cardíacas, podendo culminar em infarto ou AVC. Professora dos cursos de Tecnologia em Alimentos e de Engenharia de Alimentos da Universidade Estadual de Maringá (PR), Suelen Ruiz alerta para outro risco: na gestação, a gordura trans pode ser transportada pela placenta e comprometer o desenvolvimento do bebê.

“Isso pode alterar o comportamento e as respostas emocionais do feto” diz.

Rótulos: modo de leitura
Para quem vive no corre-corre do dia a dia, livrar-se totalmente da gordura trans realmente exige esforço e nem sempre a prateleira do supermercado facilita a escolha. Isso porque as medidas apresentadas nos rótulos dos alimentos não são muito visíveis. No ano passado, a Organização Pan-Americana da Saúde (Opas), escritório da OMS nas Américas, sugeriu que o Brasil adotasse um novo modelo de rotulagem, não só para deixar mais clara a quantidade de gordura trans nos produtos como também as medidas de outros ingredientes que, em excesso, podem trazer riscos à saúde, como sódio e açúcar.

Na terça-feira, o ministro da Saúde, Gilberto Occhi, anunciou que a Anvisa pretende aprovar no segundo semestre deste ano uma resolução sobre a nova rotulagem dos alimentos. Pela proposta da agência reguladora, os alertas devem ser em forma de octógono, círculo ou triângulo. Há também sugestão de avisos frontais em forma de tabela. O modelo escolhido terá preenchimento na cor vermelha ou preta e levará as frases “alto em açúcares”, “alto em gorduras saturadas” e “alto em sódio”, em caixa alta.

A provável nova rotulagem brasileira é bastante semelhante à proposta pela Opas, que já foi adotada no Chile e está sendo estudada pelo Uruguai.

A armadilha do “zero gordura trans”
Quando você lê no rótulo de um produto “zero gordura trans” dá um certo alívio na consciência, não? Mas não é bem assim. A primeira normativa brasileira que aprova especificações como “zero gordura trans” ou “não contém gordura trans” nos rótulos nutricionais, explica a professora Marina Scheeren, determina que todo alimento que apresentar teor de gordura trans igual ou inferior a 0,2 g por porção pode ser considerado e divulgado com o termo “zero gordura trans”.

Em 2012, a Anvisa publicou um regulamento que determina que o atributo “não contém gordura trans” só pode ser fixado ao produto se ele apresentar no máximo 0,1 g de gordura trans por porção ou 10 g para os pratos preparados.

“A declaração de gordura trans no rótulo refere-se a uma porção estabelecida para cada produto alimentício. Por exemplo: uma porção de biscoito doce é de 30g, correspondendo, em média, a duas unidades. Se o conteúdo de gordura trans não atingir 0,1g nessa porção, no rótulo desse biscoito pode estar declarado “não contém trans”, o que significa que, se a pessoa consumir mais do que duas unidades de biscoito, não poderá saber ao certo qual a quantidade de gordura trans estará ingerindo” explica Marina.
Versões naturais
A gordura trans sempre esteve presente na nossa alimentação por meio do consumo de carnes, leite e derivados – fontes naturais de gordura trans por serem obtidos de animais ruminantes (como os bovinos), em que ocorre o processo de biohidrogenação, no qual ácidos graxos ingeridos são parcialmente hidrogenados por sistemas da microbiota desses animais. A boa notícia é que pesquisas científicas mostram que a gordura trans presente em carnes e leites pode trazer benefícios à saúde, ao contrário da versão industrializada.

Ações práticas
A OMS sugeriu uma série de ações (que chamou de “replace”) para tentar retirar a gordura trans de alimentos industrializados até 2023:

(RE)visar fontes alimentares com gordura trans produzidas industrialmente e o panorama para as mudanças políticas necessárias.

(P)romover a substituição de gorduras trans produzidas industrialmente por gorduras e óleos mais saudáveis.

(L)egislar ou promulgar ações regulatórias para eliminar gorduras trans produzidas industrialmente.

(A)valiar e monitorar o teor de gorduras trans no suprimento de alimentos e mudanças no consumo de gordura trans entre a população.

(C)onscientizar sobre o impacto negativo na saúde das gorduras trans entre formuladores de políticas, produtores, fornecedores e o público.

(E)stimular a conformidade de políticas e regulamentos."
 

https://www.gazetadopovo.com.br/viver-bem/saude-e-bem-estar/gordura-trans-mata-mais-de-500-mil-pessoas-por-ano/




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